Nossa Senhora de Fátima

15/06/2010 02:03

 

Uma semana e um dia após a sagração episcopal, em Roma, do Monsenhor Eugênio Pacelli, futuro papa Pio XII, uma garotinha de um longínquo e desconhecido lugarejo de Portugal transmitia uma notícia que haveria de correr mundo: "Ó mãe, eu hoje vi Nossa Senhora na Cova da Iria". Esta exclamação foi transmitida de boca em boca, mas não se tornou sensação nos meios de comunicação social de um dia para o outro. Nem mesmo nas aldeias vizinhas causara grande impressão. Numa paróquia vizinha, numa festa do Sagrado Coração de Jesus, um orador sagrado fazia correr lágrimas abundantes aos seus paroquianos, "quando se dirigiu às crianças, pedindo à Virgem do Céu pela paz do mundo e pela vitória das nossas armas". Nenhuma referência aos fatos de Fátima. Era o dia 25 de Junho, quase mês e meio depois da primeira aparição e poucos dias depois da segunda, em que se tinha juntado aos videntes cerca de meia centena de pessoas.

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Nossa Senhora de Fátima

 


Os videntes de Fátima

São do dia 13 de Julho de 1917 os primeiros documentos conhecidos: umas fotografias tiradas aos videntes junto da igreja paroquial. Do dia seguinte, há uma carta particular escrita do Pedrogão, Conselho de Torres Novas, em que se diz dos acontecimentos da véspera: "Não calculas como aqui se fala naquela aparição. F. foi lá ontem e diz que viu as pequenas e que estavam lá umas senhoras de Santarém que lhes tinham tirado o retrato".

 

Só nove dias depois desta carta, o jornal "O Século" de Lisboa, através da correspondência de uma aldeia vizinha de Fátima, se fazia eco daquilo que era já objeto da curiosidade pública: corria "com insistência o boato de que, em determinado ponto da serra de Aire, apareceria, no dia 13 do corrente, a mãe de Jesus Cristo a duas criancinhas, a quem já por diversas vezes tinha aparecido e no mesmo local". No dia 13, efetivamente, despovoara-se para Fátima grande multidão. Haviam-se juntado na Cova da Iria "milhares de pessoas", "vindo de longínquas povoações algumas delas". Segundo o depoimento de uma testemunha recolhido pelo correspondente, uma das videntes dissera que "via uma espécie de boneca muito bonita que lhe falava. Tinha, dizia, um resplendor em torno da cabeça e chamava-a para junto de si, numa voz muito fina e melodiosa. Entre muitas coisas que lhe disse, a principal foi anunciar a sua reaparição do dia 13 a um mês e no mesmo sítio, aparecendo ainda mais outra, para declarar o motivo por que tinha vindo ao mundo". Apesar de confessar que acreditava na sinceridade e verdade da pessoa interrogada, o correspondente acrescentava a sua opinião pessoal: "É minha opinião que se trata de uma premeditada especulação financeira, cuja fonte de receita existe nas entranhas da serra, em qualquer manancial de águas minerais que recentemente tenha descoberto algum indivíduo astucioso que, à sombra da religião, quer transformar a serra de Aire numa estância miraculosa como a velha Lourdes".

Esta notícia foi transcrita, no dia 25, pelo jornal leiriense O Mensageiro, sem qualquer comentário. Um relato mais circunstanciado e já indiciador de uma outra perspectiva, surgia em O Ouriense, boletim semanal do Conselho de Vila Nova de Ourém, em artigo intitulado "Real aparição ou suposta ... ilusão".

 

Nele se falava das três crianças, da presença, "segundo os mais diversos cálculos", "de 800, de 1.000, de muito mais de 1.000, e de mais de 2.000 pessoas", "que, no mais admirável dos silêncios, ora rezavam, ora suplicavam, ora choravam; por último, foi necessário que almas piedosas, para livrarem as crianças dos confusos interrogatórios e de graves incômodos, que poderiam ter no meio de tão grande multidão, pegassem nelas e as metessem em automóvel e as afastassem à distância de dois e meio quilômetros para junto da igreja, onde foram fotografadas. Foi simplesmente admirável".


Santuário de Nossa Senhora de Fátima ao fundo.

 

Foi a partir desta aparição de 13 de Julho, que os videntes falaram num segredo que a Senhora lhes tinha dito e na promessa de um milagre para o último dia, em 13 de Outubro. Entretanto, a 13 de Agosto, já se reuniram na Cova da Iria cerca de 10.000 pessoas, não se tendo porém verificado a aparição porque as crianças tinham sido levadas, nesse mesmo dia, para Vila Nova de Ourém. A aparição verificou-se no dia 19, no sítio dos Valinhos. Em 13 de Setembro, a multidão foi calculada em 30.000 pessoas.

Atraídas pelo anúncio do milagre prometido para o último dia, as estradas e os caminhos de Fátima encheram-se de curiosos e verdadeiros peregrinos. Os cálculos numéricos variam muito (entre 50.000 e 120.000 pessoas, aceitando-se comumente o número de 70.000).

Segundo a declaração dos videntes, Nossa Senhora identificou-se finalmente como a "Senhora do Rosário" e exortou a todos a mudarem de vida e a rezarem o terço todos os dias.

Mas o mais extraordinário foi a verificação do milagre prometido: a imensa multidão teve ocasião de presenciar o fenômeno solar que até os mais incrédulos testemunharam através da imprensa.

A forte impressão causada por estes fatos e por aquilo que se foi conhecendo do conteúdo da mensagem da aparição, nomeadamente o anúncio do fim da guerra que ensangüentava nessa época o mundo, provocou uma afluência contínua de pessoas àquele lugar.

Entretanto, a situação mundial foi sendo convulsionada com acontecimentos de extraordinário alcance: a revolução bolchevista russa, o agudizar do conflito mundial e depois o caminhar lento para a paz; em Portugal, o advento fugaz do sidonismo, nos finais daquele ano de 1917, também determinava uma modificação política no percurso histórico de Portugal, iniciado em 1910.

A nível local, era restaurada a diocese de Leiria, nos princípios do ano de 1918, aspiração de todos os antigos diocesanos leirienses logo desde o ano de 1882, nela sendo integrada de novo a paróquia de Fátima. Nos fins desse ano, finalmente, o estabelecimento da paz com o armistício de 11 de Novembro.

 

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Capela das Aparições de Nossa Senhora de Fátima

De algum modo, nessa data, os acontecimentos de Fátima pareciam estar esquecidos. Mas, uma série de fatos veio novamente chamar para eles a atenção da opinião pública: em 1919, a morte do vidente Francisco, a 4 de Abril o início da construção da Capelinha das Aparições e a conclusão e envio do relatório do pároco sobre as aparições, a 28 de Abril; a conclusão da Capelinha em 15 de Junho; a morte da Jacinta, a 20 de Fevereiro de 1920.

 

Em 13 de Maio de 1920, chegava a Fátima a primeira imagem de Nossa Senhora, feita sob a orientação da vidente Lúcia, sendo entronizada em 13 de Junho seguinte, na capelinha das aparições.

Entretanto, a 15 de Maio do mesmo ano, foi nomeado primeiro bispo da diocese restaurada de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, que entrou na diocese em 5 de Agosto. O novo bispo visitou a Cova da Iria, pela primeira vez, em 12 de Setembro de 1921. Inicia-se então a aquisição de terrenos na Cova da Iria para o ordenamento de espaço para o futuro Santuário. Em 13 de Outubro do mesmo ano de 1921, quatro anos depois da última aparição, celebrava-se a primeira missa na Capelinha das Aparições, e, em princípios de Novembro, abria-se uma cisterna defronte da mesma Capelinha.

A 6 de Março de 1922, a dinamitação da Capelinha das Aparições determinou finalmente o arranque decisivo para a investigação oficial canônica sobre os acontecimentos de 1917, com a nomeação, por parte do bispo de Leiria, de uma comissão de inquérito, no dia 3 de Maio.

Entretanto, o fenômeno de Fátima ia-se tornando conhecido no mundo, ao mesmo tempo que se dava corpo a um verdadeiro Santuário: início da publicação do mensário Voz da Fátima, em 13 de Outubro de 1922; criação de uma associação de servos (mais tarde chamados servitas), em 1924; construção de um pavilhão de doentes, em 1925; inauguração de um posto de verificações médicas e de um albergue de doentes, em 1926.

Em 28 de Maio de 1926, terminava em Portugal a Primeira República, iniciando-se um novo período da história política (o "Estado Novo"), numa época em que se verificava já um certo desanuviamento nas relações entre a Igreja e o Estado.

Em 26 de Junho de 1927, era inaugurada uma via-sacra na estrada do Reguengo à Cova da Iria, com a presidência oficial do bispo de Leiria. Em 13 do mês seguinte, foi nomeado o primeiro capelão, começando a existir o Santuário propriamente dito.

A bênção da primeira pedra da grande igreja verificou- se em 13 de Maio de 1928. Foi a partir desse ano, que se iniciou também o movimento organizado de peregrinações, e que a Santa Sé começou a dar indicações concretas de aprovação em relação aos acontecimentos de Fátima e ao Santuário: em 1927, a Sagrada Congregação dos Ritos já concedera para Fátima a missa votiva de Nossa Senhora do Rosário; L'Osservatore Romano, diário oficioso da Santa Sé, publicava, a 3 de Junho de 1928, uma crônica da peregrinação de 13 de Maio anterior; em 1 de Outubro de 1928, o Núncio Apostólico em Lisboa, Mons. Beda Cardinale, visitou pela primeira vez oficialmente o santuário; em 9 de Janeiro de 1929, Pio XI ofereceu estampas de Nossa Senhora de Fátima aos alunos do Colégio Português em Roma e, em 6 de Dezembro do mesmo ano, benzeu um imagem dessa invocação destinada ao mesmo Colégio.

O movimento de expansão do culto de Nossa Senhora de Fátima no mundo incrementou-se extraordinariamente a partir do documento oficial do bispo de Leiria, de 13 de Outubro de 1930, declarando dignas de crédito as aparições e autorizando oficialmente o culto a Nossa Senhora de Fátima.

A investigação canônica sobre os fatos atribuídos à vidente Jacinta, em 1934, e a transferência dos seus restos mortais, de Vila Nova de Ourém para o cemitério paroquial de Fátima, em 12 de Setembro de 1935, deram também uma dimensão extraordinária à mensagem de Fátima. A vidente sobrevivente, Lúcia de Jesus, ausentara-se de Fátima em 1921, para o colégio educacional de Vilar, no Porto, das religiosas dorotéias; ingressara nessa congregação em 1925, em Espanha, recebendo em Tuy e Pontevedra algumas revelações complementares da mensagem de 1917: a insistência na devoção dos primeiros sábados e a consagração do mundo e da Rússia ao Imaculado Coração de Maria. Fortemente impressionada com as fotografias do rosto de sua prima Jacinta no caixão, que lhe foram enviadas pelo bispo de Leiria, a Irmã Lúcia deixou transparecer algumas recordações sobre a vida dos seus primos e sobre os próprios acontecimentos de 1917. Instada a pôr por escrito essas lembranças, daí resultaram as chamadas quatro Memórias, redigidas entre 1935 e 1941, com algumas precisões sobre a sua própria infância e dos outros videntes, antes e depois das aparições de Nossa Senhora, e a revelação de parte do segredo de Julho de 1917 e das aparições de um Anjo - o Anjo de Portugal - nos anos de 1915 e 1916.

Da divulgação progressiva destes escritos surgiu o extraordinário incremento da mensagem de Fátima no mundo.

Também a situação de guerra que, entretanto, veio a verificar-se, de 1936 a 1939, na Espanha, onde a Irmã Lúcia continuava a residir, e, na Europa, de 1939 a 1945, trouxe, uma vez mais, a uma luz mais intensa, os acontecimentos de Fátima. Neste contexto, a dimensão verdadeiramente internacional e eclesial de Fátima intensificou-se ainda mais quando o Papa Pio XII, atento às solicitações da própria vidente Lúcia, consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria, em 31 de Outubro de 1942, ano do 25º aniversário da aparição de Nossa Senhora e da sua ordenação episcopal.

Em 13 de Maio de 1946, o mesmo Papa coroou solenemente, através do seu Legado, a imagem da Capelinha das Aparições. Dias depois, a Irmã Lúcia visitava Fátima e Aljustrel, visita essa que determinou uma clarificação sobre a verdadeira Loca do Cabeço, lugar das aparições do Anjo. Desejosa de ingressar numa congregação religiosa de maior recolhimento, entrou, em 25 de Março de 1948, no Carmelo de Santa Teresa de Coimbra, onde atualmente vive.

Em 1942, iniciara-se o costume de levar a imagem da Capelinha das Aparições a vários locais de Portugal e da Espanha. A partir de 1947, uma outra imagem que se designou precisamente com o nome de "Virgem Peregrina", percorreu quase todos os países do mundo até 1954 e entre 1959 e 1982; novamente retomou as viagens em 1984. Estas viagens congregaram milhões de pessoas de todas as raças, línguas e credos e alargaram extraordinariamente o âmbito do conhecimento da história e da mensagem da Cova da Iria.

O encerramento do Ano Santo para o estrangeiro, marcado pelo Papa Pio XII para Fátima, em 13 de Outubro de 1951, ainda tornou mais conhecido este Santuário, desde então tornado meta de muitos milhares e até milhões de peregrinos de todas as nações, entre os quais se contaram grandes figuras da Igreja e dos Estados. Um desses primeiros grandes peregrinos foi o Cardeal Roncalli, patriarca de Veneza, que visitou o Santuário em 13 de Maio de 1956, e foi eleito Papa em 28 de Outubro de 1958, com o nome de João XXIII, que anunciou, em Janeiro seguinte, o II Concílio Ecumênico do Vaticano e o abriu em 11 de Outubro de 1962.

Abria-se, entretanto, uma nova era na história de Portugal. Em princípios de 1961, davam-se os primeiros atos de revolta contra o domínio colonial português, com a ocupação do Estado da Índia pela União Indiana, e com os atos de violência em Angola contra Portugal, que iniciavam um longo período de guerra colonial, com profundos reflexos na própria interpretação da mensagem de Fátima e na afluência de peregrinos ao mesmo Santuário.

Em 1963 reiniciava-se o Concílio já com um novo Papa, Paulo VI (desde 21 de Junho), o qual, no encerramento da 3ª sessão, em 21 de Novembro de 1964, ao mesmo tempo que declarou Nossa Senhora "Mãe da Igreja", renovou a consagração ao Imaculado Coração de Maria, feita por Pio XII, e decidiu conceder "a Rosa de Ouro ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima, tão querido, não somente do povo da nobre nação portuguesa (...), mas também conhecido e venerado pelos fiéis do mundo católico inteiro".

Tal declaração soleníssima teve um coroamento na peregrinação do próprio Papa Paulo VI a Fátima, em 13 de Maio de 1967, 50º aniversário da primeira aparição, "para rezar, uma vez mais, e com a maior humildade e devoção, pela paz".

Os anos seguintes foram os do pós-concílio: a Igreja foi-se readaptando, nem sempre serenamente, às novas exigências doutrinais e pastorais, ao mesmo tempo que a sociedade humana foi vivendo entre a perspectiva angustiante de nova conflagração mundial e a esperança num futuro de paz.

Também Portugal vive então os últimos anos da sua experiência de regime autoritário que se vai esgotando inexoravelmente.

A 25 de Abril de 1974, instaura-se um regime democrático em Portugal, com conseqüências ainda difíceis de definir, mas algumas das quais já visíveis: a descolonização, a subseqüente reaproximação da Europa e a instauração lenta das estruturas democráticas ocidentais. Isto não se fez sem ter havido algumas situações de radicalização que chegaram a admitir a possibilidade de instauração de regimes totalitários de sinal diferente.

Processo semelhante se verificou também na Espanha, a qual seguiu caminhos mais ou menos paralelos em direção à Europa comunitária.

Na Igreja, termina o pontificado de Paulo VI (falecido em 6 de Agosto de 1978). Seguiu-se o meteórico pontificado de João Paulo I (33 dias, de 26 de Agosto a 28 de Setembro de 1978), o qual, como Patriarca de Veneza, também visitara Fátima, em 10 de Julho do ano anterior.

A ele sucedeu o primeiro Papa não italiano depois de 1523, o cardeal polaco Karol Wojtyla, que tomou o nome de João Paulo II. Foi uma lufada de ar fresco que percorreu o mundo inteiro, dando garantia de fundadas esperanças para a unidade e para a paz.

Um inesperado acontecimento veio, porém, perturbar este otimismo e trazer, uma vez mais, Fátima e a sua mensagem ao primeiro plano da opinião pública mundial: no dia 13 de Maio de 1981, um atentado na Praça de São Pedro em Roma punha em perigo a vida de João Paulo II.

A coincidência da data com mais uma aniversário da primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, e o fato de não ter sucumbido, levaram o Papa a considerar-se salvo por Nossa Senhora e a fazer uma peregrinação a Fátima.

Um ano depois, o Papa fez a sua peregrinação de agradecimento a Nossa Senhora de Fátima, querendo estar em oração silenciosa, por largo tempo, junto da sua imagem, na hora exata do atentado, e aproveitando a ocasião para fazer uma visita pastoral a Portugal, visita que deixou imensos frutos espirituais.

Por desejo expresso do Papa João Paulo II, a imagem de Nossa Senhora de Fátima da Capelinha das Aparições foi a Roma, renovando o Papa, diante dela, na Praça de S.Pedro, a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, no dia 25 de Março de 1984.

Em 13 de Maio desse mesmo ano, o Papa João Paulo II deu novo título à diocese de Leiria, acrescentando-lhe o nome de Fátima, dada a importância que este lugar adquiriu para a Igreja e para o mundo.

Todos os fatos, relacionados com as aparições de 1917 e a sua mensagem levaram, a partir da década de 1950, à designação do Santuário da Cova da Iria como "Altar do Mundo" e ao incremento, cada vez maior, deste lugar de peregrinação, que cresceu também no desenvolvimento populacional, sócio-econômico e cultural, de tal modo que, em Agosto de 1977, foi elevada à categoria de vila a povoação de Fátima com os lugares de Aljustrel, Cova da Iria, Lomba d'Égua e Moita.

 

1. AS APARIÇÕES DO ANJO

 

O anjo de Fátima, como os anjos bíblicos, preparou os caminhos do Senhor. A primeira aparição deu-se durante a primavera de 1916, no lugar chamado "Cabeço". Lúcia, Francisco e Jacinta viram "uma luz mais branca que a neve, com a forma de jovem transparente, mais brilhante que um cristal, atravessado pelos raios do sol".

- Não temais. Sou o Anjo da Paz. Orai comigo.

Ajoelhando-se, mandou repetir às crianças três vezes:

- Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam.

Depois, ergueu-se e disse:

- Orai assim. Os corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas.

A segunda aparição teve lugar durante o Verão, junto do poço do quintal da casa de Lúcia.

- Que fazeis? Orai! Orai muito! Os corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.

- Como nos havemos de sacrificar?

- De tudo que puderdes, oferecei um sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa Pátria, a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo, aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar.

A terceira aparição deu-se no Outono, de novo na Loca do Cabeço. As crianças começaram a rezar "Meu Deus, eu creio, ..." quando deram conta que sobre elas brilhava uma luz desconhecida. Viram, então, o Anjo, que segurava na mão esquerda um cálice, sobre o qual estava suspensa uma hóstia. Desta caíam dentro do cálice algumas gotas de sangue. O Anjo ajoelhou diante delas e convidou-as a repetir por três vezes a seguinte oração:

- "Santíssima Trindade, pai, Filho, Espírito Santo, adoro-Vos profundamente, e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E, pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores".

Em seguida, o Anjo ergueu-se, tomou de novo o cálice e a hóstia, que tinham ficado suspensos no ar e deu a hóstia à Lúcia e o que continha o cálice ao Francisco e à Jacinta, dizendo ao mesmo tempo:

- Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o Vosso Deus.

 

2. AS APARIÇÕES DE NOSSA SENHORA

 

O dia 13 de Maio de 1917 era Domingo. Depois de terem ido à Missa à paróquia, as crianças tinham levado as ovelhas a pastar para um lugar a dois quilômetros de Aljustrel, chamado "Cova da Iria". O céu estava azul e claro, mas, a dado instante, pareceu-lhes ver um relâmpago. Receando tempestade, juntaram o gado para o conduzir para casa. De repente, viram outro clarão... e ali, a poucos passos deles, sobre uma pequena azinheira, apareceu a figura de "uma Senhora vestida toda de branco, mais brilhante que o sol, espargindo luz, mais clara e intensa que um copo de cristal cheio de água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente".

- Não tenhais medo. Eu não vos faço mal.

- Donde é Vossemecê?

- Sou do Céu.

- E que é que Vossemecê me quer?

- Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero.

- E eu também vou para o Céu?

- Sim, vais.

- E a Jacinta?

- Também.

- E o Francisco?

- Também, mas tem que rezar muitos terços.

Lúcia fez ainda mais algumas perguntas. Por fim, Nossa Senhora perguntou-lhes:

- Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?

- Sim, queremos.

- Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.

Ao dizer estas últimas palavras, Nossa Senhora abriu as mãos, num gesto acolhedor de Mãe, oferecendo o seu Coração. Um misterioso reflexo de luz desceu até às crianças penetrando-lhes a alma e fazendo-as verem-se envolvidas em Deus, "mais claramente do que nos vemos no melhor dos espelhos", - diz Lúcia. Finalmente, Nossa Senhora acrescentou:

- Rezem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra.

No dia 13 de Junho, os pastorinhos, acompanhados de algumas pessoas, estavam a rezar o terço, quando, de novo, viram o misterioso clarão. Lúcia iniciou o diálogo:

- Vossemecê que me quer?

- Quero que venhais aqui no dia 13 do mês que vem, que rezeis o terço todos os dias e que aprendam a ler. Depois direi o que quero.

Lúcia pediu a cura de um doente. Nossa Senhora respondeu:

- Se se converter, curar-se-á durante o ano.

- Queria pedir-lhe para nos levar para o Céu.

- Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. A quem a abraçar, prometo a salvação e serão queridas por Deus, como flores postas por mim a adornar o Seu trono.

- Fico cá sozinha?

- Não, filha. E tu sofre muito? Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus.

No dia 13 de Julho foi já uma multidão a acompanhar os pastorinhos. Viu-se o costumeiro clarão. Lúcia começou o diálogo:

- Vossemecê que me quer?

- Quero que venham aqui no dia 13 do mês que vem, que continuem a rezar o terço todos os dias, em honra de Nossa Senhora do Rosário, para obter a paz do mundo e o fim da guerra, porque só Ela lhes poderá valer.

Lúcia apresentou a Nossa Senhora diversos pedidos e continuou:

- Queria pedir-lhe para nos dizer quem é, para fazer um milagre com que todos acreditem que vossemecê nos aparece.

- Continuem a vir aqui todos os meses. Em Outubro direi quem sou, o que quero, e farei um milagre que todos hão de ver e acreditar. Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes, em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria.

Neste momento o reflexo misterioso penetrou a terra. Os pastorinhos, assombrados, contemplaram a horrível visão do inferno. Assustados, e como que a pedir socorro, levantamos, - diz Lúcia - a vista para Nossa Senhora, que nos disse com bondade e tristeza:

- Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores; para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar. Mas, se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XII, começará outra pior. Quando virdes um noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e pe

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